Entre as 12 obras seleccionadas para o Anuário de Arquitectura incluí-se, em 2019, o Espigueiro-Pombal do Cruzeiro.



Espigueiro-Pombal do Cruzeiro

Tiago do Vale Arquitectos


O Espigueiro-Pombal do Cruzeiro é um lugar de serenidade e de introspecção, de forte ligação com a natureza e connosco próprios.

As suas raízes são modestas, pragmáticas, e criativas no seu desenho e soluções. Construído no final do século XIX, o seu ponto de partida foram dois espigueiros sobre bases graníticas. Uma cobertura comum reuniu-os, debaixo da qual se deu forma a um pombal. O espaço entre ambos os espigueiros foi usado como sequeiro, com dois grandes painéis basculantes controlando a ventilação.

Foi possível a documentação integral do desenho e das técnicas construtivas do edifício tal como era até perder o seu uso, abrindo portas para uma reposição elemento a elemento do Espigueiro-Pombal, com um minucioso redesenho de todos os detalhes de carpintaria e um conjunto muito limitado de intervenções cirúrgicas que permitirão a sua renovada e segura utilização.

Duas novas escadas escamoteáveis encaminham-nos para o interior de ambos os espigueiros e uma escada interior ergue-se até ao espaço do pombal, finalmente tornando esse espaço mágico acessível.

Estas humildes construções estão em rápido desaparecimento: actualmente sem utilização e aparentemente sem potencial para transformação, são silenciosamente desmanteladas.

Não se lhes reconhece valor suficiente para estudo ou documentação sistemática: logo que desaparecem, nunca existiram.
Este exercício procura ilustrar que estas construções podem produzir experiências espaciais de grande qualidade, mantendo vivos documentos construídos de uma arquitectura popular muito especial, recorrendo a recursos e conhecimentos locais e tornando-os pertinentes mesmo depois do seu uso agrícola ter terminado.

O Espigueiro-Pombal do Cruzeiro é agora um santuário entre as copas das árvores, uma forma icónica na paisagem rural minhota, e a experiência das sombras bruxuleantes das ramas, da brisa suave que o cruza e dos chilreares nos finais de tarde estivais define, por inteiro, o seu novo propósito, função e uso.