Da Beleza

O Movimento Moderno foi, por ventura, o movimento mais transformador na História da Arquitetura.


A formalização do ensino da arquitetura no século XVI com a Académie Royale d’Architecture marcou a separação da arquitetura das artes oficinais: até aí, arquiteto, mestre pedreiro ou arruador eram um só.

Esta vontade de separar “quem sabe” de “quem faz” vem de uma intenção de elevar o status da Arquitetura a uma atividade nobre, capaz de apoiar os objetivos culturais e funcionais da corte francesa e da sua próspera burguesia, sobretudo na sua missão de contrapor à Renascença Italiana (que desenhou o património francês até então) uma arquitetura que seja “Francesa”.

Esta estratégia obrigou à construção de uma “Teoria da Arquitectura” capaz de sustentar a nova disciplina, baseada nos textos de Vitrúvio, firmando o modelo clássico como “Beleza Absoluta” e a separação definitiva entre o saber académico e o velho saber vernáculo.


Esta tendência culminou com as Beaux-Arts e, embora em rotura com o Gótico precedente, manifestou-se essencialmente nas obras do Estado, da Igreja e das elites: enquanto a Arquitetura Erudita procurava nas referências da Antiguidade Clássica a beleza, as proporções e os seus modelos, a cidade e a paisagem continuaram a desenhar-se pelas regras de sempre.


Em comparação, o Movimento Moderno representa outra coisa. É uma rutura com o passado -como as Beaux-Arts o foram- mas agora a rutura é absoluta. Alimentado pela conjetura da época, influencia todas as sociedades e todo o globo.

Esta nova cultura arquitetónica -académica e erudita- permanece no domínio das elites mas, curiosamente, a rejeição de tudo o que é passado chega a todos os territórios e a todos os estratos sociais, reféns de uma realidade construtiva que nega o conhecimento vernacular mas não o substitui por nenhum outro tipo de conhecimento.

Recusando todas as heranças do contínuo construído passado, no cânone modernista não há “beleza” -apenas razão- e, da Segunda Guerra Mundial em frente, esta ortodoxia domina o mundo.


É fácil, dentro do cânone, identificar as balizas do que é “certo” e do que é “errado”. A construção teórica que as suporta fornece toda a racionalização necessária para defender qualquer opção de desenho canónica.

O conforto do cânone resulta num “estilo” que, réplica após réplica, invade o mundo construído: o Modernismo -depois da rebeldia original, extinta a breve fuga pós-moderna dos anos 80 e, agora, esvaziado das motivações que o geraram- é o “Arquitetonicamente Correto” dos nossos dias.


A racionalização modernista não se contenta com a construção de ferramentas de habitar e de estruturas utilitárias e funcionais. No entanto, a sua busca por “beleza” é, geralmente, reduzida a uma estética intelectualmente justificada.

A resposta inata humana à beleza é, infelizmente para o modernismo, intrinsecamente anti-intelectual.

Alguns dos aspetos mais intelectualizados das nossas vidas -a musica, a literatura, a arte- conseguem tocar-nos de forma profunda sem nos exigirem nenhum tipo de racionalização: muito do que nos rodeia emociona-nos sem razão. Também é assim a Arquitetura.

O “estilo” é uma autoimposição -uma medida de controlo do processo e das hipóteses arquitetónicas- mas é sempre uma limitação: como dizia Fernando Távora, “o estilo não conta, mas sim a relação entre a obra e a vida”.

É tempo de repor a continuidade interrompida da cultura construtiva, apoiando-nos não em correntes, escolas e movimentos mas em escolhas críticas, criteriosas e genuínas para cada circunstância.

A perceção da beleza é indiferente a qualquer racionalização de cânones ou estilos, e tarda a hora de a trazer de volta à Arquitetura.