Arte na Leira
“A terra que me viu nascer é Perre. Terra essa que me habituou a uma sobrecarga de emoções e o caminho que procurei para as transmitir foi através da expressão plástica.
Vivi e cresci rodeado de campos, rio e serras e muito granito, mas cedo fui para a cidade, os campos foram substituídos por prédios e o som era um ruído que nada tinha a ver com o meu ambiente visual e auditivo…”
Não sou eu quem diz estas coisas: é o Mestre Mário Rocha, que tem transportado a fatia entre o Minho e o Lima para o mundo, e levado de volta o mundo para lá.
A paisagem tradicional alto-minhota é pujante, variada, sedutora, num crescendo que vai da costa, por veigas e vales verdes, por escarpas rochosas, até à serra. Caminha é disso um exemplo perfeito: da Mata Nacional do Camarido, das dunas de Moledo ou dos areais de Vila Praia de Âncora até aos milheirais é um minuto. Subindo o Rio Âncora, do mar ao pinhal são dois. …E ao terceiro minuto chegamos à Serra D’Arga.
Do lado norte da Serra, junto das Argas (de Cima, de Baixo e de São João), estamos no centro deste pedaço do mundo, debruçado sobre o Lima, o Mar, o Minho e a Galiza. É uma terra de serenas sabedorias, de granitos e xistos antigos, de espigueiros e moinhos, campos, pontes, ribeiros, cascatas e abrigos. Uma paisagem viva, próxima do céu, habitada por gente de outros tempos, simultaneamente agreste e acolhedora, de desconcertante beleza natural.
É em Arga de Baixo que fica a Casa do Marco e é daqui que se agita a Serra e o mundo, de Verão em Verão, há 20 anos. A “Arte na Leira” é, no fundo, Mário Rocha a abrir as portas da sua casa. Mas é também, claro, muito mais do que isso.
“Mais tarde atravessando o monte que circunda a minha terra, encontrei a Serra D’Arga. Os campos, as cores, os ares, a gente humilde… fizeram recordar em mim toda a minha infância e como que num processo de osmose com toda esta natureza pura, toda essa energia teve que ser projetada na minha obra e como num ato de inspiração imediato surgiu “Ares da Serra”, através do qual tento de certa forma homenagear e fazer perpetuar no tempo a ruralidade que marca muitas gerações e muitas culturas da qual somos seus herdeiros.”
Mário Rocha é nome maior na pintura portuguesa contemporânea e um artista multifacetado que se exprime em múltiplas áreas, da cerâmica à escultura.
Já consagradíssimo, quis mostrar, em casa, na serra, o seu trabalho às gentes que também o inspiraram. De surpresa, às gentes da serra juntaram-se muitas outras que também procuravam a arte no campo.
Com a obra de Mário Rocha misturaram-se também obras de mais de meia centena de artistas portugueses e estrangeiros, consagrados e promessas, da pintura, da escultura, do desenho, da música, da cerâmica, da fotografia ou do design, cruzando-se aqui, entre campos e erupções graníticas, Arga e o Mundo, a Cidade e a Serra.
Este fenómeno de diversidade harmoniosa, de encontros e de diálogos, é raro e empolgante, mas teremos o privilégio de vivê-lo pela vigésima vez em breve, imerso no cenário inesperado de uma Serra D’Arga transformada em pequeno umbigo do mundo das artes e das pessoas, de meados do próximo Julho a finais de Agosto.