A história do projecto e construção do Palácio de Queluz resultou numa conformação actual que, por um lado, não reflecte as intenções originais do seu desenho nem, pelo outro, dota o conjunto da oportunidade de uma experiência urbana que o valorize e dignifique.
Embora a reconstituição do traçado projectado em 1797 constitua uma interessante hipótese de projecto (materializando um documento histórico do espaço urbano e paisagístico setecentista), esta proposta conclui que tal não se traduziria numa resposta eficiente às questões que a configuração actual do conjunto (fundamentalmente diferente do previsto no traçado original) coloca.
A chegada ao Palácio a partir do IC19 através da Avenida Engenheiro Duarte Pacheco processa-se hoje sem um momento de transição ou um anúncio da qualidade do espaço que rapidamente se apresentará. O Palácio emerge lateralmente quando já, sem nos apercebermos, estamos no miolo do conjunto, banalizando-o. O desenho da via não promove mais do que o rápido abandono do espaço, caracterizando-o como local de passagem e não de destino (como é sua vocação natural).
The complex history of the project and construction of the Palace of Queluz resulted in a present conformation that, on one hand, doesn’t reflect the original intent of its design nor, on the other hand, provides the architectural ensemble the opportunity of an urban experience that dignifies and values it.
Though the recreation of the original 1797 design could constitute an interesting project hypothesis (materializing an historic document of the seven hundreds’ urban and landscape design), this proposal concludes that such a solution wouldn’t translate itself into an efficient answer to the questions that the present configuration of the ensemble (fundamentally different from what was predicted by the original design) asks.
The arrival to the Palace directly from the IC19 highway through the Duarte Pacheco Avenue happens without any transitional moments or an announcement of the quality of the space that will rapidly present itself. The Palace emerges laterally when one already is, without realizing it, at the heart of the ensemble, banalizing it. The way the road is designed doesn’t promote more than the rapid abandonment of the space, characterizing it as a passage place as opposed to a destination (which is its natural vocation).
Assim, esta proposta assenta numa reconfiguração cuidada da chegada ao Terreiro do Palácio de Queluz e dos espaços públicos que integra, essencialmente focada na maximização das qualidades do conjunto tal como ele é hoje e criando pistas para a hierarquização do tecido urbano envolvente que permitam entender o Palácio como um espaço de destino de qualidades excepcionais. Pretende-se, portanto, que a intervenção proposta permita um acréscimo significativo das condições urbanas existentes, melhorando a vivência quotidiana dos habitantes locais.
Propõe-se, então, o desvio do acesso automóvel, em sentido único, pelo limite Este do Bairro Almeida Araújo (e apoiado por um espaço central de estacionamento).
Este gesto resulta na concentração dos pontos de chegada (já pedonalmente) junto do Quartel do Regimento de Artilharia n.º 1, permitindo abordar o Palácio na perspectiva mais favorável à leitura das suas fachadas, visualmente valorizadas pelo amplo enquadramento com o requalificado Terreiro.
Retirar o automóvel da Avenida Engenheiro Duarte Pachecho cria uma série de oportunidades qualificadoras do tecido urbano de Queluz, permitindo sobretudo a desmaterialização do muro dos Jardins do Palácio e a proposta de um tratamento de continuidade da estrutura vegetal e arbórea até aos espaços verdes do Bairro Almeida Araújo e, através do corredor da Avenida, até ao Terreiro do Palácio, valorizando a relação do conjunto com as estruturas urbanas envolventes.
O remate Norte também procura hierarquizar a estrutura urbana, clarificando os limites da zona do Palácio e introduzindo espaços de transição capazes de receber a paragem e largada de autocarros turísticos em praças-miradouro sobre o Terreiro, ajustadas à escala e para uso da cidade, propiciadoras de um uso pedonal da zona.
O novo traçado para o acesso automóvel ao conjunto do Palácio de Queluz resulta numa reorganização do espaço que, para além de promover a valorização do conjunto, permite também a hierarquização do tecido urbano e a uniformização da linguagem arquitectónica e paisagística da área, resolvendo a transição entre espaços que antes eram segmentados, segregados e incomunicantes.
O protagonismo das vias é, também, atenuado, transitando para espaços periféricos, em convívio com o peão, e incluíndo uma passagem subterrânea sob o Terreiro, libertando a área central do conjunto para todos os usos previstos.
A requalificação da superfície da área de intervenção permite dotá-la de características que potenciam e valorizam o espaço como zona de vivência urbana, especialmente para os residentes no centro histórico e Bairro Almeida Araújo, minimizando o impacto automóvel e prolongando o espaço público associado aos arruamentos para zonas qualificadas e novos espaços verdes.
O Terreiro, agora totalmente desimpedido entre as fachadas do Palácio e do Quartel, permitirá a realização de cerimónias oficiais, garantido as necessidades da defesa nacional (em especial, a visibilidade junto ao Quartel do Regimento de Artilharia Antiaérea n.º 1), e incorporando também um palco informal capaz de dar resposta a eventos públicos pontuais, visível tanto desde o Terreiro como dos novos espaços verdes.
Esta nova organização favorece o uso turístico da Pousada D. Maria, integrando o conjunto nos circuitos pedonais e cicláveis do Eixo Verde e Azul.
São garantidas as acessibilidades não apenas ao programa do Palácio mas também aos seus Jardins e, de forma transversal, a todos os elementos deste conjunto. Outros factores de conforto são maximizados, com pavimentos regulares, espelhos e percursos de água capazes de contribuir positivamente para o controlo da temperatura no espaço público, e uma nova e significativa plantação de vegetação do estrato arbóreo, fundamental na melhoria do conforto microclimático do espaço e na absorção de ruídos.
Os espelhos e percursos de água propostos permitem que esta se mantenha como elemento de destaque e ligação dos espaços, sendo mantida a importância deste elemento no conjunto do Palácio.
A vegetação proposta é predominantemente autóctone, constituída por espécies edafoclimaticamente adaptadas, das quais se destacam o Pinus pinea (Pinheiro-manso), o Quercus suber (Sobreiro) e a Olea europaea (Oliveira).
O Pinus pinea é a espécie dominante, permitindo a ligação entre a vegetação existente e proposta. A escolha da espécie Quercus suber teve como referência o icónico povoamento desta espécie na Matinha de Queluz. A plantação de exemplares de Olea europaea segundo uma malha ortogonal, associada a percursos de água, foi inspirada no jardim mediterrânico e permite a integração paisagística do parque de estacionamento. Os exemplares propostos de Prunus dulcis (Amendoeira) simbolicamente remetem para a possível origem da toponímia da cidade de Queluz.
Em locais estratégicos são propostas caducifólias como o Alnus glutinosa (Amieiro) para que seja evitado o excessivo ensombramento de habitações da envolvente e no extremo Sudeste da Avenida Engenheiro duarte Pacheco foi proposta uma Araucaria heterophylla (Araucária) como árvore focal.
O estrato sub-arbustivo surge em áreas específicas, sendo evidente a diferenciação entre os usos das áreas verdes, entre áreas de recreio e áreas de enquadramento.
A vegetação arbustiva é proposta em locais onde a permeabilidade visual não seja impedida.
A estrutura vegetal das áreas verdes da Avenida Engenheiro Duarte Pacheco foi organizada de forma a garantir a existência quer de espaços de sombra, quer de espaços com boa exposição solar, para que a utilização diversa do espaço seja potenciada. Ao longo da avenida procura-se repor a topografia primitiva, tendo sido sugeridas micro-modelações com um máximo de 1.5m de altura, para que a permeabilidade visual seja garantida. Na área mais próxima do terreiro funcionam como um pequeno anfiteatro natural, que permite a comtemplação do terreiro do palácio e simultaneamente potenciar a vista para o palco proposto.
A área impermeabilizada é fundamentalmente reduzida, reduzindo a pressão sobre a Ribeira de Carenque e o Rio Jamor.
O modelo de circulação proposto elimina o atravessamento directo em frente ao Palácio, assegurando no entanto a manutenção do acesso local. A transição para um modelo de espaços predominantemente pedonais, partilhados com o uso automóvel, gera uma redução da velocidade média do transito motorizado, condicionado também por outros mecanismos complementares.
O trânsito pesado passa a ser restrito na área de intervenção, segundo o novo modelo de circulação.
O conjunto é dotado de áreas de estacionamento capazes de dar resposta tanto ao fluxo normal de visitação como a necessidades pontuais mais exigentes, propondo-se uma separação estratégica entre os acessos e espaços de estacionamento destinados ao automóvel e o acesso e estacionamento de autocarros de turismo. Desta forma, embora a zona de paragem e largada de visitantes não coincida com a chegada a partir do estacionamento automóvel, ambas convergem para o mesmo ponto do Terreiro, permitindo retirar o trânsito pesado do perímetro de intervenção.
O impacto do espaço de estacionamento é mitigado, por um lado, pelo tratamento da sua superfície como um prolongamento do espaço público em que se insere e, pelo outro, por uma plantação de espécies arbóreas que o caracterizam da mesma forma que as áreas de utilização pedonal, reduzindo a presença visual dos automóveis aparcados.
Mantém-se o acesso local, num único sentido a partir do IC19, exclusivamente para trânsito ligeiro, com continuidade para o centro histórico e demais direcções.
O acesso à área de intervenção a partir do Parque Felício Loureiro será essencialmente pedonal (com um espaço de paragem e largada de autocarros turísticos directamente conectado ao Terreiro do Palácio), como forma de condicionar positivamente a utilização do automóvel na área de intervenção e desencorajar circulações puramente de atravessamento. Propõe-se, no entanto, um acesso para transportes públicos locais (potencialmente partilhado, estritamente, com moradores do Bairro Almeida Araújo).
A área de intervenção dota-se de acessos pedonais contínuos com as áreas de restauração e serviços do Centro Histórico e do Bairro Almeida Araújo, sendo o bairro servido por uma paragem de autocarro da rede de transportes públicos (assim como por uma estação de parqueamento de bicicletas que serve o conjunto).
Esta estratégia integra também o Terreiro, sem barreiras e de forma contínua, com o Parque Felício Loureiro a Norte e, através da nova zona verde da Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, com os Jardins do Palácio e, a partir daí, com a Mata de Queluz (através de uma passagem aérea a considerar), completando e unificando os circuitos de mobilidade suave integrados no Eixo Verde e Azul.
A construção da nova rede de percursos, assim como a requalificação dos percursos existentes é proposta no mesmo material (lioz), com o objectivo da sua unificação e consequente potenciação da mobilidade suave.
No que diz respeito aos transportes públicos, a opção passa por estratégias à escala local e territorial. À escala local, o condicionamento do acesso automóvel ao núcleo da área de intervenção privilegia o novo percurso para transportes públicos locais, com nova paragem no Bairro Almeida Araújo.
Considerando a nova estratégia para autocarros turísticos (que acedem à área de intervenção exclusivamente através da Avenida Dom António Correia de Sá), com paragem e largada junto ao Terreiro do Palácio, propõe-se a adequação do parque de estacionamento do Parque Felício Loureiro à recepção destes autocarros.
Desta forma, desenha-se um percurso pedonal que serve, através do Parque Felício Loureiro, visitantes que chegam a Queluz pela Estação de Caminhos de Ferro de Queluz-Belas (num percurso de cerca de 15 minutos até ao Palácio) e visitantes que chegam por autocarro turístico e prefiram desembarcar no Parque (8 minutos a pé até ao Palácio).
Estes percursos pelo canal verde do Parque integram-se na rede de mobilidade suave do Eixo Verde e Azul, prolongando-se para as hortas do Palácio de forma contínua, para os Jardins e para a Mata.
Propõe-se a manutenção de todos os elementos arquitectónicos originais, incluindo estruturas hidráulicas e elementos de relação com os aquedutos do Pendão e Gargantada, promovendo novas articulações entre o Palácio, o seu Terreiro, os Jardins, os Espaços Verdes urbanos e de escala territorial e os núcleos urbanos próximos (como o Centro Histórico e o Bairro Almeida Araújo).
É proposta a relocalização do Monumento a D.Maria I, na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco no alinhamento da entrada principal do Palácio, permitindo o diálogo entre o monumento e a sala do trono.
Dada a importância deste elemento patrimonial, este novo posicionamento estratégico dignifica o espaço a Sul do terreiro, criando-se assim novo elemento polarizador e ponto de interesse neste espaço.
Estruturando a chegada ao Palácio e hierarquizando o espaço urbano que o rodeia, é possível potenciar a interpretação do património cultural existente no espaço, de forma integrada, enriquecendo a experiência de visitação, através de percursos estruturados e ordenados a partir do exterior do perímetro de intervenção.
O percurso que liga a Estação de Caminhos de Ferro de Queluz-Belas ao Terreiro, através do canal verde do Parque Felício Loureiro, integrando também o espaço de estacionamento de autocarros turísticos, relaciona-se também com o conjunto do Grande Tanque do Miradouro, com novos acessos a partir do Parque, onde se propõe um centro de interpretação (apoiado por outros serviços) que constitua o ponto de partida para a visita ao conjunto do Palácio de Queluz.
Em suma, este projecto propõe devolver o Terreiro à cidade e à população, reinterpretando tanto a configuração actual como a intenção original do seu desenho para dotar o conjunto de uma lógica contemporânea de uso e usufruto dos espaços públicos, assente nos princípios originais de ordem, clareza, proporção e simetria, que conte uma história e que seja também capaz de sobreviver à passagem do tempo.
A intervenção proposta extende-se para além dos limites definidos e desenvolve-se como uma estratégia urbana que integra a área de intervenção com a envolvente. Define-se uma hierarquização dos espaços urbanos, desenham-se percursos e transições e integra-se na malha construída esta peça notável que a precede, permitindo ao Palácio assumir a sua condição natural de destino e de ícone no território em que se insere.
Finalmente, eliminam-se as barreiras entre os elementos que compõem este conjunto, permeabilizando a sua superfície e prolongando espaços verdes e espaços públicos num único sistema que integra palácio e cidade, num contraste permanente entre a beleza natural e a beleza construída.
Being so, this project proposes to return the Palace Square and surrounding spaces to the city and its population, reinterpreting both the present configuration and the original intent of its design to provide the ensemble with a contemporary logic of use and enjoyment of the public spaces, supported by the original principals of order, clarity, proportion and symmetry, telling a story about the place and being able to survive to the passing of time.
The proposed intervention extends beyond the predefined limits and develops itself as an urban strategy that integrates the intervention site with its surroundings. It defines an hierarchization of urban spaces, drawing pathways and transitions, and it integrates itself on the built urban fabric of this notable piece that precedes it, allowing the Palace to take its natural place as a destination and an icon in the territory where it stands.
Finally, the barriers between the many elements of this ensemble are removed, permeabilizing its surfaces and extending green spaces and public spaces into a single system that integrates palace and city, in a permanent contrast between the beauty of the built heritage and the beauty of nature.
No fundo, este projecto trata do desenho de uma experiência do património, num processo de descoberta e surpresa que culmina na apresentação de um conjunto edificado de extrema qualidade, apresentando-o à sua melhor luz e eliminando barreiras para o seu total usufruto.
É também, sobretudo, um desenho que devolve, finalmente, o Palácio de Queluz à Natureza que o motivou.
All in all, this proposal is about designing an experience of heritage, in a process of discovery and surprise that culminates in the presentation of a built ensamble of extreme quality, showing it in its best light and allowing for the enjoyment of all its parts
It is also, more than anything, a design that finally returns the Palace of Queluz to the Nature that motivated it.
NOME DO PROJETO Requalificação do Terreiro do Palácio Nacional de Queluz
LOCALIZAÇÃO Sintra, Portugal
ARQUITETURA Tiago do Vale Arquitectos
EQUIPA DE PROJETO Tiago do Vale, Maria João Araújo, Malvina Gonçalves
CONCURSO Concurso Público de Concepção para a Elaboração do Projecto de Requalificação do Terreiro do Palácio Nacional de Queluz
ORGANIZAÇÃO Parques de Sintra, Montes da Lua SA
ANO DE PROJETO 2017
ÁREA DE PROJECTO 33 000 m2