O gesto arquitectónico nem sempre decorre de uma intenção conceptual ou formal, nem sempre resulta de um produto da razão: por vezes é a resposta a uma necessidade -das circunstâncias do projecto mas também de quem projecta- primária, elementar, quase automática, mesmo que assente num certo entendimento da arquitectura.
Neste caso, a necessidade é a de desenhar um limite na cidade: uma fronteira que provoque a consolidação do tecido urbano em confronto com a preservação da geografia natural, valorizando ambas as construções -a da natureza e a do Homem- de forma honesta e descomplexada, embora criteriosa.
O desenho surge, assim, quase por si, procurando alinhamentos nos muros, nos limites dos lotes, desenhando um arruamento paralelo à Rua Padre Manuel da Nóbrega no limite norte do vale, e espelhando-o num caminho pedonal a sul. No apices destas ligações, a nascente, integra-se no desenho a escola pré-existente e, tirando partido da topografia, propõe-se um parque desportivo numa plataforma à cota do recreio que, por sua vez, cobre um parque automóvel capaz de servir ambas as instituições de ensino. Caixas-de-escadas e rampas resolvem empenas e promovem ligações mais ricas entre a escola pré-existente e a sua envolvente.
A segunda intenção advém de uma intuição, de um resultado informado do olhar.
Percorrendo a Rua Padre Manuel da Nóbrega no sentido da Praça José de Anchieta, torna-se evidente que este é um percurso que condiciona: é um túnel que autoriza só pontuais fugas visuais para o Sol e para a paisagem a sul. A excepção é o lote desocupado na Praça José de Anchieta, que permite banhar de luz o final da rua, e a partir de lá mergulhar na massa verde do vale.
A consequência destas duas circunstâncias é que, abstraindo-nos das carências arquitectónicas mais imediatas, a Praça dota-se de sentido e ganha qualidade de destino.
A estratégia de ocupação mais óbvia seria a de preencher o lote à imagem do que já está feito, desenhando o lado em falta da praça, o que a devolveria à sua função original de girar o tráfego automóvel para fora do cul-de-saq.
No entanto, é evidente que esta solução não interessa. Num contexto habitacional, o programa de uma escola é excepção e, por isso, justifica-se uma estratégia de ocupação igualmente excepcional, mais atenta às características geográficas particulares do terreno a ocupar e às circunstâncias do contexto urbano em que se insere.
Maximizando o potencial da Praça, prolongámo-la até ao limite da mancha urbana, abrindo-a para o vazio e deixando que o vale verde se invada pela excepção: a escola.
Tirando partido da pendente do terreno, todo o programa se desenvolve abaixo da Praça, com o ginásio sob esta e as restantes dependências a distribuírem-se por três braços, com aulas normais a poente, serviços ao centro, e aulas oficinais e de laboratório a nascente.
Apenas o corpo dos serviços se eleva acima dessa cota, funcionando como uma representação da escola à escala da Praça, e reforçando o eixo da rampa de acesso ao seu átrio. Lateralmente, a nascente com a cantina e a poente com o desenho de um acesso alternativo à escola, enquadram-se a praça e a paisagem.
As circulações internas processam-se num esquema em cruz: norte/sul desde a rampa de acesso principal à escola projectando-se até às circulações verticais no corpo dos serviços, e nascente/poente entre os corpos de aulas. No centro, encontra-se o átrio da escola, sobre um recreio coberto que, por sua vez, representa a projecção do ginásio para o exterior.
Colocámos a cantina e o programa que lhe é associado numa posição ambígua: simultaneamente dentro e fora da escola. Esta posição permite-nos resolver questões da topografia, mas também nos interessa a dualidade: a mudança de paradigma no intervalo para as refeições enriquece a experiência arquitectónica, e acrescenta variedade à rotina escolar.
Devido à implantação peculiar, e ao particular desenvolvimento vertical da escola (para baixo), tentou-se inverter as expectativas correntes em relação ao condicionamento do espaço e da sua iluminação: quanto mais para baixo, mais luminoso e menos condicionado: na verdade, todos os movimentos descendentes culminam em programas centrais (o auditório), ou em momentos de especial relação com a paisagem, o ar livre e a luz.
O resultado final é uma resposta às necessidades básicas de um programa à luz da funcionalidade, mas considerando sempre que o que é determinante é o que está para lá da função: beleza, poesia ou até, de forma menos pretensiosa, qualidade de vida.
ARQUITETURA Tiago do Vale Arquitectos
EQUIPA DE PROJETO Tiago do Vale, María Cainzos Osinde, Hugo Quintela
ÁREA DE CONSTRUÇÃO 9435 m2