A nossa mais recente colaboração com a Revista Trends.

 

Complexidade e Contradição

Repetimos o duradouro mantra de Venturi desde a escola -“complexidade e contradição”- muitas vezes como a mais generosa muleta do arquiteto contemporâneo (embora pessoalmente me socorra mais do “em arquitetura, o contrário também pode ser verdadeiro”, do Fernando Távora).

São batotas, alheias ao profundo significado original das frases, que tentamos (assobiando para o ar) usar como chão sempre que o pé falha.

A arquitetura deve ser uma arte virtuosa (e o arquiteto tão virtuoso quanto a arte): verdadeira, correta, elevada em relação a todas as inconsistências, fraquezas, corrupções e demais vícios da natureza humana. Dizem. Não é amiga de batotas.

Digo isto e recordo com um sorriso Fernando Távora e Victor Figueiredo, velhos mestres que -por maravilhosa fortuna minha- me deram forma nos aspetos mais humanos da profissão. É claro que discordo. Como eles.

A arquitetura assim, imaculada e casta, tem mérito, tanto mérito quanto é aborrecida, limitada no leque de ferramentas emocionais ao seu dispor. Desconfio que é por isso que, procurando bem, não há mestres que sejam só virtuosos (embora tenham sempre a sabedoria de parecê-lo).

Todos suspeitamos, creio, que a arquitetura só serve em pleno o Homem quando reflete o pleno das características do Homem. Só assim um e outro se identificam mutuamente, se relacionam e se compreendem.

Focar-nos na pureza deixa do lado de fora, desta forma, um enorme e interessantíssimo espetro de características humanas verdadeiramente enriquecedoras da arquitetura: o humor, a mentira piedosa, a pontinha de malícia. Desenhar arquitetura não é diferente de montar uma narrativa: uma boa história é sempre melhor do que uma história virtuosa.

(Pelo menos é o que digo hoje, complicando e contradizendo-me.)

 

Complexity and contradiction

We repeat Venturi’s enduring mantra from school onwards -“complexity and contradiction”- often as the most generous crutch of the contemporary architect (although, personally, I tend to rely more on “in architecture, the opposite can also be true”, by Fernando Távora).

These are escape clauses, oblivious to the original deep meaning of the phrases, which we try (while whistling skywards) to use as support whenever our foot fails.

Architecture should be a virtuous art (and architects as virtuous as the art): true, correct, above any inconsistencies, weaknesses, corruptions, and other vices of human nature. Or so they say. Architecture isn’t a friend of such clauses.

I say this and I remember, with a smile, Fernando Távora and Victor Figueiredo, old masters, who -most fortunately for me- shaped me in the most human aspects of the profession. Of course I disagree. Like they did.

Architecture like that, immaculate and chaste, does have merit, as much merit as it is boring, limited in the range of emotional tools at its disposal. I suspect that this is why, when you look hard enough, there are no masters who are only virtuous (though they always have the wisdom to appear so).

We all suspect, I believe, that architecture only fully serves mankind when it reflects the fullness of the characteristics of mankind. Only then do they identify with each other, relate to each other, and understand each other.

Focusing on purity thus leaves out a huge and interesting spectrum of human characteristics that truly enrich architecture: humour, white lies, a hint of mischief. Designing architecture is no different from compiling a narrative: a good story is always better than a virtuous story.

(At least that’s what I say today, complicating and contradicting myself.)